Descrição paleográfica do caderno Farmácia São José
Referente a sua encadernação, utilizando a terminologia de Paglione (2017) e Milevski (2001), pode-se dizer que o caderno possui encadernação tradicional, com quatro pontos de costura visíveis no miolo (Parte interna do livro composta por cadernos unidos). Apresenta capa dura de papelão (frontal e de fechamento), revestida com papel que imita couro com textura de crocodilo, na variação de cores azuis PANTONE 2767 C e PANTONE 2757 C.
Canaleta externa é o canal flexível do material de cobertura – papel, couro, tecido etc.-, do lado externo de um livro, sobre a qual a capa abre; espaço entre os papelões da capa e o encaixe da lombada do corpo do livro, no qual o material de cobertura da capa sofre pressão. Também chamado junta francesa ou encaixe francês, canaleta, encaixe, canal ou charneira (Milevski, 2001, p. 42).
A abrasão é o desgaste de superfície decorrente de ação mecânica causadora de atrito, fragiliza o material, ajudando os processos de rasgos e perdas. (Paglione, 2017, p. 26).
O caderno possui meia lombada, feita com material sintético grosso similar à lona, na cor azul PANTONE 303 C.
Meia Lombada é o tipo de encadernação em que a lombada é colada ocupando parte da capa.
As extremidades laterais do caderno, assim como as ponteiras, que são arredondadas, apresentam desgaste expondo o papelão das capas, revelando uma delaminação.
A Delaminação é a “[s]eparação em camadas (lâminas) do cartão das capas (pastas) ou de papéis compostos. A delaminação é um dano físico causado por manuseio, guarda inadequada e contato com água” (Paglione, 2017, p. 40).
A lombada é quadrada e lisa, sem nervuras ou serigrafia, e se encontra um pouco desgastada e com um furo no centro.
Não possui cabeceado (parte de tecido que pode ser costurado ou colado no miolo, nas extremidades, servindo para estabilizá-lo. Geralmente, são apresentadas com tecitura em quadriculação ou espiral, em diversas cores), seus cortes anterior, superior e inferior não possuem decoração/ilustração e não apresentam bordas quebradiças (fragilidade nas regiões dos cortes do papel, geralmente acompanhada de rasgos e perdas. Dano físico causado geralmente por quebra das cadeias de celulose do papel e/ou por guarda inadequada (Paglione, 2017, p. 32)) nas folhas. As medidas externas do caderno, considerando a encadernação, são de 167mm de largura; 238mm de comprimento; 25mm de espessura, na parte da lombada; 20mm de espessura, na parte lateral direita; pesando um total de 656 gramas. As medidas do miolo do caderno são de 160mm de largura, 229mm de comprimento e 19mm de espessura. Seguem as imagens da capa frontal, de fechamento e da etiqueta do caderno Farmácia São José.
As seixas apresentam desgaste por conta da delaminação nas bordas da capa. A delaminação causou rasgos em alguns pontos das seixas, tanto na parte da capa frontal quanto na de fechamento
A contraguarda inferior apresenta mancha de umidade na região da canaleta interna, fazendo fronteira com a guarda-volante.
A Contraguarda é “[a]quela metade da guarda que é colada na parte interna do papelão da capa. Também chamada de espelho da guarda ou guarda presa” (Milevski, 2001, p. 42))
Canaleta Interna é a “[d]obra do canal entre as duas metades da guarda, onde o corpo do livro se une à sua respectiva capa (pasta). Também chamada de canaleta da frente e de encaixe interno” (Milevski, 2001, p. 42 -; também chamada de festo por Paglione (2017, p. 20).
A guarda-volante apresenta uma mancha de umidade na parte do corte superior e na canaleta. a guarda-volante superior (na parte frontal do caderno) apresenta uma mancha de umidade na parte do corte superior e na canaleta interna que faz fronteira com a contraguarda. É possível notar pequenas e poucas marcas de foxing nas folhas de guarda.
A Guarda volante é a folha (ou folhas) que forma esta parte dobrada da guarda, que não está colada ao interior da capa de papelão. Sua função é proteger a primeira e a última página do texto (Milevski, 2001, p. 44);
Foxing se refere às “[m]anchas arredondadas causadas no papel pela presença de pequenos depósitos metálicos, geralmente na fase de produção do papel. Podem estar em associação com fungos” (Paglione, 2017, p. 54).
As medidas do miolo do caderno são de 160mm de largura, 229mm de comprimento e 19mm de espessura. É composto por nove cadernos.
As coifas apresentam sinais de abrasão que seguem em direção à canaleta externa.
Coifas são os materiais de revestimento que foram moldados sobre os cabeceados, na cabeça e no pé da lombada da capa (Milevski, 2001, p. 42)
Abrasão é o desgaste de superfície decorrente de ação mecânica causadora de atrito. A abrasão fragiliza o material, ajudando os processos de rasgos e perdas (Paglione, 2017, p. 26).
Contém nove cadernos que juntos, costurados, compõem o miolo.
Exemplos de abrasão no caderno Farmácia São José.
Exemplos de delaminação no caderno Farmácia São José.
Há rupturas (rasgos) na região da dobra do miolo nas páginas: 118-156 – parte superior da dobra do miolo; 157-158 – parte inferior da dobra do miolo; 177-178 – da parte superior até a inferior da dobra do miolo, quase comprometendo a encadernação nesta região. No geral, o caderno está em bom estado de preservação, no entanto, todas as folhas apresentam foxing.
Exemplos de estiletamento no caderno Farmácia São José.
Foi escrito, em sua maioria, com tinta preta líquida e lápis grafite, porém há algumas partes de textos, acréscimos em revisões e um endereço, na página 2, escritas com tinta líquida azul e vermelha. Além disso, há passagens, geralmente correções, marcações e acréscimos de palavras que foram feitas com lápis de cor azul ou vermelho. A maior parcela da mancha escrita do caderno FSJ foi escrito com a grafia de Eulálio Motta, exceto pelo endereço da página 2, que apresenta um padrão gráfico diferente do de Motta, todavia, não há informações sobre o escrevente desta anotação. Sobre os instrumentos de escrita utilizados no caderno, devido a datação dos textos (primeira metade da década de 40), presume-se que os escritos foram feitos com pena e tinta líquida, contudo, não foi possível comprovar se foram feitos com pena de bico de metal ou natural e nem se a tinta utilizada era ou não metaloácida. Outros instrumentos de escrita utilizados foram lápis de cor nas cores azul e vermelha (ocasionalmente), além do lápis grafite que, por vezes, era de ponta dura, o que resultou em escritos de pigmentação mais clara, e outros de ponta macia, com pigmentação mais escura. Além disso, o escrevente também utilizou borracha e o uso pode ser percebido nas marcas deixadas em diversas passagens do caderno, além de ter restado vestígios de borracha depositados na região de dobra do miolo.
Levanta-se a hipótese de que tenha sido utilizada pelo escrevente uma pena de bico de metal, devido às condições financeiras do escritor e o fácil acesso à capital, para onde Motta viajava com frequência e visitava papelarias e tipografias. É possível identificar grossuras diferentes de traçados, alguns mais finos do que outros, o que poderia indicar penas com bicos diferentes ou pressões diferentes na pena no momento da escrita. Sobre a tinta, era de prática de escreventes que utilizavam tintas líquidas fabricarem a própria tinta utilizando materiais caseiros como água, vinagre, amido de milho, sulfato ferroso etc., e, devido a formação de Eulálio Motta como farmacêutico, pode-se questionar se essa seria uma de suas práticas, pois há, no caderno Bahia Humorística, uma receita com riqueza de detalhes para fabricar sabão, mostrando que ele recorria à fabricação caseira de materiais. Outro ponto interessante a se observar é a grafia do escritor que, em todo o caderno, assume um formato mais ‘despojado’, sem muita ponderação caligráfica e, na maioria dos textos, apresenta uma inclinação modular próxima a de 45º.
Apesar de considerá-lo um caderno de rascunhos, não é possível afirmar que o caderno é composto totalmente por rascunhos de textos, pois há diversas anotações cotidianas, financeiras e notas pessoais que, provavelmente, não foram feitas com a intenção de serem passadas a limpo. Contudo, a maior parte do caderno é composta por rascunhos de obras literárias e cartas, pessoais e abertas. Grande parte dos rascunhos encontrados no caderno apresentam rasuras, borrões, emendas, por vezes com letras miúdas, apêndices em outras páginas indicados por notas remissivas, apagamento por borracha, cancelamentos, divisões gráficas da página, entre outras “marcas físicas de manipulação” (Duarte, [1997-], verbete rascunho, p. 12) feitas pelo escrevente no processo de composição do texto. Todas essas marcas fazem parte da história do caderno, nos emitem um significado, como a forma de cancelar, os tipos de rasura, a forma de disposição do texto na página, a organização dos apêndices, transmitindo uma mensagem com possibilidades de interpretação. Por conta de algumas dessas marcas físicas de manipulação, como apagamento por borracha, segmentos substiruídos por sobreposição, acréscimos com letras miúdas, borrões, que não permitem que o segmento esteja legível, houve dificuldade, de certa forma, para realizar a leitura e transcrição dos documentos e, em alguns pontos, chegou a ser inviável.
Os gêneros textuais encontrados no caderno são diversos. Eulálio fez do caderno Farmácia São José um meio de se expressar acerca de vários temas, em forma de cartas, crônicas, anotações do cotidiano, poemas, notas. Há também anotações financeiras, uma peça autoral e um prefácio de livro que pretendia publicar. Foram encontrados 132 textos no caderno Farmácia São José, sendo 53 rascunhos de cartas, 21 rascunhos de crônicas, 21 rascunhos de poemas, 30 anotações, 1 rascunho de prefácio, 1 rascunho de peça, 1 rascunho de procuração, 1 rascunho de índice e 3 textos cujo o gênero não foi identificado (designado como outros). Os temas encontrados no caderno são variados, destacando-se as temáticas religiosa, política, literária, amorosa, cotidiana (como assuntos da fazenda, clima, finanças, administrativo e de cunho pessoal), além de saudosismo, casamento, memória, efemeridade do tempo.
No que concerne a textos de terceiros, há 3 rascunhos de cartas, 1 rascunho de procuração e 5 poemas que são assinados por outras pessoas, mas que se encontram escritos no caderno com a caligrafia de Eulálio Motta. Além desses, há 1 anotação de endereço, que é de autoria não identificada e não foi escrito com a caligrafia do autor.
REFERÊNCIAS
DUARTE, Luiz Fagundes. Glossário de Crítica Textual. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, [1997-]. Disponível em: http://www2.fcsh.unl.pt/invest/glossario/glossario.htm. Acesso em: 23 de fev. de 2025.
MILEVISKI, Robert J. Manual de pequenos reparos em livros. 2.ed. Rio de Janeiro: Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos: Arquivo Nacional, 2001.
PAGLIONE, Camila Zanon. Glossário Visual de Conservação: Um Guia de Danos Comuns em Papéis e Livros. São Paulo: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, 2017.
SANTIAGO, Stephanne C. SANTIAGO, Stephanne C. Meu caro Eudaldo: edição dos rascunhos de cartas do caderno Farmácia São José, de Eulálio Motta. 2021. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2021.. 2021. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2021.