Cartas para Eudaldo Lima
Eulálio Motta foi um ávido escritor e uma figura cheia de opiniões acerca dos mais variados temas, principalmente política e religião. Com base na literatura cristã, em meio ao movimento de Ação Católica Brasileira e da efervercência política da década de 1940, em que o Estado Novo estava estabelecido e o Integralismo (partido político que Motta se vinculava), Eulálio Motta e Eudaldo Lima (amigo de infância do escritor) iniciaram um longo debate, que durou por volta de sete meses (agosto de 1941 até março de 1942), sobre religião, mais especificamente, sobre o catolicismo vs protestantismo, com nuances políticas adicionadas à discussão.
Eulálio Motta, defendeu a Igreja Católica e o Integralismo, enquando Eudaldo Lima, pastor presbiteriano, defendia o protestantismo e criticava veementemente o Integralismo. O debate se iniciou quando Eudaldo Lima, que morava em Campo Formoso-BA no período, enviou para Eulálio Motta o livro Cochilos de um Sonhador, que foi escrito por seu amigo, também pastor presbiteriano em Campo Formoso, Basílio Catalá Castro. Motta, que residia em Mundo Novo-BA, recebeu o livro e, prontamente, quis responder ao seu amigo dando sua opinião sobre o livro recebido. Sabe-se que um Frei que era amigo de Motta, por nome de Félix, que residia em Campo Formoso, fez o intermédio dessa correspondência (detalhe mencionado nos rascunhos de carta).
Cabe mencionar que havia um grande atrito entre a comunidade presbiteriana e a comunidade católica em Campo Formoso, assunto bem explorado em Jatobá (2011). Frei Felix e Eudalo Lima não tinham uma relação muito amigável, fato este que gerou certas farpas registradas nos rascunhos de carta editados aqui, como a insatisfação de Lima com as leituras públicas, por parte de Frei Félix e autorizadas por Eulálio Motta, de cartas que Motta enviou para Eudaldo Lima. Os dezenove rascunhos de cartas destinadas a Eudaldo Lima são textos que apresentam escrita formal, discussões de caráter literário e religioso e possuem alto grau de argumentação, visto que havia certa pressão em mostrar domínio sobre a bíblia, sobre textos teológicos e sobre fé, no geral.
O volume de rascunhos aqui editados revelam sua importância social e histórica, especialmente para a história política e religiosa no interior da Bahia, na medida em que se adentra na discussão, pois exibe os livros religiosos lidos pelos intelectuais do período; o nível e a construção de argumentação em relação à religião por parte dos interlocutores – ainda que só tenhamos acesso aos rascunhos de cartas escritos por Motta, é possível inferir falas de Lima do decorrer dos textos; o tom político que a discussão apresenta; o zeitgeist do período (se refere ao conjunto de ideias, crenças, valores e tendências culturais que definem uma época específica); e como se dava a circulação e as práticas de leitura de correspondências no período, uma vez que há, no âmbito da discussão, publicações de cartas abertas e leituras em público de algumas das cartas.
REFERÊNCIAS
JATOBÁ, Tiago F. O vento da mudança sobre o Morro dos Alecrins: reação católica à instalação dos presbiterianos em Campo Formoso – Bahia, primeira metade do século. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História) – Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Jacobina, 2011.
LIMA, Eudaldo. Razões de Minha Religião: Por que sou evangélico e não romanista. Casa Publicadora Norte Evangélico Garanhuns, Campo Formoso, Bahia, 1944.
SANTIAGO, Stephanne C. Meu caro Eudaldo: edição dos rascunhos de cartas do caderno Farmácia São José, de Eulálio Motta. 2021. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2021.
SANTIAGO, Stephanne C. Por uma Ação Católica: hiperedição dos rascunhos de cartas de Eulálio Motta, no Caderno Farmácia São José. 2025. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2025.